quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Suicídio não é contagioso. Precisamos falar a respeito


Aviso: discussão franca sobre suicídio.
Escrever sobre suicídio não é fácil. Venho ensaiando esse post há algum tempo, mas nunca sei por onde começar. Com a minha própria história? Como vivi em um poço de desespero que pode levar alguém a realmente achar que tirar a própria vida é a solução? Ou começo com as estarrecedoras estatísticas de suicídio? Tipo: a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio? Ou: você sabia que METADE de TODOS os universitários contemplam o suicídio em algum momento?
Nenhuma das opções me permitiria achar o registro correto para falar de algo tão evasivo como o suicídio. Mas aí, na quarta passada, recebi uma mensagem de texto que finalmente me deu a voz para falar do assunto. E aquela voz estava muito irritada.
Eram 20h30, eu e meu marido estávamos no sofá assistindo séries gravadas quando o celular apitou. Temos um acordo de tentar não usar o celular depois de certa hora, a menos que estejamos esperando alguma notícia. Se fosse só uma mensagem, teria ignorado. Mas a urgência de várias mensagens chegando me fez descumprir nossa regra.
Era minha melhor amiga. Ela tinha acabado de descobrir que uma conhecida dela tinha cometido suicídio (eu não conhecia a pessoa). Minha amiga também não era muito próxima dela; tinham atuado juntas uma vez. Uma amiga da minha amiga, mais íntima, contou a notícia e estava devastada. Minha amiga estava no meio de um ensaio e não podia falar, mas precisava contar para alguém que pudesse entender. Que pudesse ajudá-la a consolar a amiga.
Apesar de ser um bastião de conhecimento sobre saúde mental, fui pega no contrapé. Estava sem palavras. Não há como se preparar para a notícia de um suicídio. Além de estar junto, ouvindo, dando um abraço, não há muito como consolar um amigo ou familiar que esteja lidando com esse tipo de perda.
O absurdo da situação é que, nos últimos dois meses, soube de três suicídios (e não estou falando dos vários que foram cobertos pela imprensa, como o de Leelah Acorn. Não conhecia pessoalmente nenhuma das vítimas. Sempre é um amigo de um amigo, mas a notícia sempre parece um soco no estômago, que me deixa sem ar e me leva às lágrimas. (Choro pela morte de desconhecidos porque sinto solidariedade pelas pessoas que têm problemas mentais e porque sei bem o que é esse buraco negro de tristeza.)
Mas, naquela quarta-feira, alguma coisa estava diferente. Talvez porque minha melhor amiga estava perturbada, ou talvez porque essa era a terceira pessoa. O fato é que eu estava puta da vida.
Estava puta porque alguém estava sofrendo tanto a ponto de achar que precisava tirar a própria vida. Estava puta porque elas estavam tão desesperadas que achavam que a morte era uma alternativa melhor que a vida. Estava puta porque essas pessoas claramente não estavam recebendo a ajuda que precisavam ou mereciam. Estava puta da vida que as pessoas diriam que "jamais esperavam" algo assim. Estava puta porque o suicídio não deveria acontecer, mas parece continuar acontecendo, se repetindo.
Apesar de todos os avanços na conscientização sobre problemas mentais, o suicídio ainda é uma questão envolvida num manto de silêncio e segredo. Ele às vezes é tratado como uma doença "contagiosa", como se você pudesse contraí-la só de falar seu nome.
Talvez o "contágio do suicídio" se dê não por causa do ato em si, mas porque ninguém queira falar do assunto. Ninguém quer falar que talvez já tenha pensado em se matar, porque é desagradável e mórbido. Ou talvez porque tenha um parente que cometeu suicídio e o assunto é tabu. Ou talvez porque o suicídio só traga muita tristeza, mesmo que eles não conheçam a pessoa.
Não há maneiras fáceis de falar de suicídio, porque é difícil explicar como alguém possa pensar que a morte é uma solução viável para seus problemas. Como alguém que já pensou seriamente em vários jeitos de morrer, ainda tenho dificuldade de articular o suicídio. É uma questão complexa e confusa porque vai contra um dos nossos instintos mais básicos: a autopreservação.
A questão é que o suicídio nunca é sobre a morte, mas sim sobre o desejo de que a dor acabe. É querer desaparecer. É querer que seu problema, qualquer que seja, suma. Se você nunca lutou contra depressão, ansiedade, síndrome do estresse pós-traumático, transtornos alimentares ou qualquer outro tipo de doença mental, é difícil entender essa constante e aparentemente interminável dor psíquica. É uma dor que te segue como uma sombra quando você está acordado, uma assombração quando você está dormindo. Não há como fugir.
Além disso, é difícil falar de suicídio por causa dos mitos que cercam o assunto. Tenho certeza que algum pesquisador realizou estudos com números, mas já passei por situações sociais o suficiente para saber como as pessoas podem ser idiotas quando se trata de saúde mental e suicídio.
Estava numa festa no verão passado quando a conversa enveredou por esse tema: suicídio, autodestruição e saúde mental. Não sei como ou quando começou a conversa, mas foi de repente. Me preparei para o impacto.
"Dizem que é um pedido de ajuda."
"Eles querem chamar a atenção."
"Bom, dizem que pela direção dos cortes dá para saber a diferença entre uma pessoa que quer se mutilar e um suicida."
"Quão idiota você precisa ser para cagar seu próprio suicídio?"
"Entendo quando alguém pula na frente do metrô - mas todo mundo sabe que tomar um vidro inteiro de analgésico só vai te deixar doente."
Esses comentários foram disparados com o acompanhamento de queijos e vinhos, diante de completos desconhecidos. Essa é a estupidez e indiferença que acompanha as discussões sobre suicídio. Ignorância e insensibilidade dominaram a conversa.
Permita-me desmistificar algumas coisas sobre automutilação e suicídio: as duas coisas não estão intrinsecamente relacionadas. Só porque você se corta não quer dizer que você queira se matar. Tentar o suicídio ou se mutilar não é um "pedido de ajuda" e não é uma maneira de chamar a atenção. As pessoas que fazem esse tipo de coisa estão doentes, como quem sofre de diabetes ou câncer, e simplesmente não sabem lidar com seus sentimentos ou com o mundo em que vivem. (A Associação Canadense de Saúde Mental derruba outros mitos sobre suicídio.)
Isso foi o que tive vontade de falar naquela festa. Mas, depois de aguentar aquelas palavras em silêncio, saí às lágrimas.
Não se trata de não falar de suicídio por acharmos que ele vai ser contagioso, mas precisamos saber COMO falar do assunto. Precisamos ter sensibilidade com nossa audiência. Precisamos ter consideração pelas experiências dos outros. Precisamos ser gentis e compreensivos.
Suicídio desafia qualquer lógica e não é um assunto fácil de abordar, mas precisamos falar do assunto. Ou então todas essas mortes terão sido em vão.

Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.
http://www.brasilpost.com.br/marisa-lancione/suicidio-nao-e-contagioso_b_6533586.html



Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, ligue para o número do CVV: 141 e, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra.





sábado, 10 de dezembro de 2016

Ninguém sabe lidar com um suicida, nem o próprio suicida


Quando eu tinha 15 anos eu tentei me matar pela primeira vez. Fazem 11 anos e há 11 anos e mais duas tentativas depois eu acordo todos os dias pensando: "só preciso sobreviver a mais esse dia". É exaustivo.
Faço terapia desde os 7, 8 anos, não me lembro bem e já tive diversos diagnósticos.
Tive melhoras mas nunca consegui acordar e apenas viver.
Oito meses atrás terminei um relacionamento e a cinco tive uma crise bastante severa.
Meu namoro foi abusivo, de ambos os lados e hoje carrego igualmente uma carga de culpa e amor sem tamanho.
Mas não foi por causa desse relacionamento que voltei a pensar em suicídio com tanta frequência novamente.
Ninguém pensa em se matar por conta de um amor que deu errado, ninguém pensa em se matar por problemas financeiros, ninguém pensa em se matar por excesso de problemas.
Isso tudo são motivos externos e o real problema é como a gente lida (ou não) com essas questões externas.
Temos também o problema de que ninguém falar sobre isso. Algumas pesquisas que nunca vi apontam que falar sobre suicídio aumenta os índices, mas pra mim só piora.
Ter pensamentos suicidas também não implica que a pessoa não seja funcional, que a pessoa não viva ou seja incapaz de sorrir e se divertir.
Pensar em acabar com a própria vida é simplesmente um pensamento ou um ato reflexo de uma dor interna que parece impossível de se resolver naquele momento.
Ninguém sabe lidar com um suicida, nem o próprio suicida, mas existe uma infinidade de profissionais que buscam entender como ajudar.
Pode não existir um diagnóstico, pode não ter um tratamento, podem existir vários diagnósticos e vários tratamentos e a questão é que é tudo muito duro e se torna mais duro ainda quando não tem com quem falar.
Imagino que seja desesperador para um pai, uma mãe, um namorado ou uma amiga ouvir que simplesmente a pessoa que você ama e se importa não aguenta mais a ponto de tentar o suicídio, mas te garanto que todo e qualquer apoio tem uma importância gigantesca.
Por isso fica aqui o meu relato e o meu apoio. Se você já cogitou se suicidar, ou tentou, peça ajuda, não se envergonhe. Fale com amigos, familiares e profissionais.
E se você conhece alguém que seja suicida, ouça, observe, apoie, busque ajuda para ele sair dessa.
Quanto a mim, hoje foi mais um dia que sobrevivi, e tenho certeza que tenho feito o possível para viver muitos outros. E também sei que tudo muda, tudo passa e que sabendo olhar pra dentro e pedindo ajuda tudo fica mais fácil.


Iran Giusti


Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra.




Este texto foi publicado por Iran Giusti em 8 de setembro de 2015  



A Depressão, Aos Olhos Dos Outros


"Você está apenas tendo um dia ruim"
Eles dizem.
"Por que você não levanta dessa cama?"
Eles perguntam.
"Talvez se você tivesse uma atitude mais positiva as coisas poderiam melhorar"
Eles sugerem.
“Por que você não se esforça um pouco pra sair dessa? ”
Eles propõem
Mas eu não posso.
Estou afundando e eu não consigo chegar na superfície.
Eu estou transportando uma tonelada de tijolos que me pesam.
"Pelo menos você não tem uma doença grave"
Eles dizem como se fosse um elogio.
"Basta tomar o seu medicamento, que melhora"
Eles acham que o medicamento vai resolver todos os problemas.
"Saia com os amigos, você vai se sentir melhor saindo com eles"
Eles recomendam.
Mas eu não posso.
Não importa o quanto eu tente,
Alguns dias, eu não consigo sair da cama.
Lágrimas e lágrimas são derramadas durante horas.
Por que eu me sinto assim?
Isto é real?
É na minha cabeça?
Eu só quero me sentir normal.
Gostaria que as pessoas pudessem ter pelo menos um vislumbre do que acontece em meu cérebro, dando-lhes uma perspectiva do que eu tenho que lidar diariamente.
Eles questionam cada movimento que eu faço.
No entanto, eles não têm a mínima ideia de quão doente eu realmente sou.
A doença mental é real.
Não se vê,
Mas é real.
As pessoas, de fora, podem não entender,
Mas o que você está sentindo é real e válido.
Não gostaria que a depressão fosse o meu pior inimigo.
Eu gostaria que fosse possível para os outros ver as lutas internas que quem sofre de depressão enfrenta todos os dias.



Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, ligue para o número do CVV: 141 e procure ajuda especializada.



Texto original: Depression From the Outside Looking In / By Meghan Camello
https://themighty.com/2016/12/hidden-parts-of-depression/


 Tradução livre e adaptada

sábado, 3 de dezembro de 2016

Por que papai nem sempre pode brincar


Minhas doces meninas,
Um dia vocês vão entender e tudo vai fazer sentido. Eu sei que agora é muito confuso ver seu pai passar por todas essas coisas. Vocês são crianças ainda para entenderem o que uma doença mental é. Vocês percebem, mas não sabem que ela tem um nome – depressão.
Eu tenho essa doença chamada depressão, transtorno depressivo persistente para ser exato. Acontece que eu a tenho desde o começo de minha vida adulta. Eu sabia que na adolescência algo de seriamente errado estava acontecendo comigo, que as pessoas "normais" não têm esses pensamentos escuros e terríveis que eu tinha. Era tanta a escuridão que eu quase tirei a minha própria vida quando tinha 16 anos e, até hoje, não sei exatamente por que eu decidi (no último momento) não puxar o gatilho. Mas estou feliz que eu não tenha feito.
Eu nunca tinha procurado ajuda profissional até vocês três surgirem na minha vida. Eu estava com medo do que as pessoas pensariam de mim: com medo de perder a minha carreira, com medo de que as pessoas que eu amava me deixassem se soubessem o que se passava na minha cabeça. Tentei chegar até algumas pessoas que eu confiava, mas quando vi como elas reagiram, decidi que não valia a pena contar.  Pensava que estava sozinho, e ninguém jamais me entenderia. Nem mesmo eu sequer entendia o que estava acontecendo comigo.
Olhando para trás, eu tive pelo menos três episódios depressivos maiores na minha vida. Este último tem sido o pior, de longe. Eu tive muito mais sintomas físicos do que antes, juntamente com os sintomas mentais incapacitantes de tristeza, desesperança e apatia. Tenho certeza que é muito confuso para vocês assistirem eu passar por tudo isso, e eu sinto muito, mas não posso explicar isso agora de uma maneira que faça sentido para vocês.
Sinto muito pelas vezes em que permaneci deitado na cama durante todo o dia quando vocês queriam brincar. Sinto muito pelas vezes que eu estava presente, mas que realmente não estava. É uma tortura contemplar o olhar decepcionado de vocês quando eu digo, "Desculpe queridas, papai não pode brincar hoje." Eu sinto muito quando não posso levar vocês ao parque, brincar com as bonecas, sair para caminhadas e passeios de bicicleta como uma família.
Eu mantenho a esperança de que um dia vocês vão olhar para trás e perceber que fiz o melhor que pude.
Obrigado pelos abraços, o aconchego, amor, graça, que vocês me dão e que eu espero que continuem me dando. Quando a esperança faleceu, vocês foram a minha esperança. Vocês têm sido a razão pela qual eu continuei lutando e me mantive vivo. Vocês são a razão pela qual eu passei por tantas mudanças na medicação, tantas sessões de terapia, na esperança de que eu possa estar junto de vocês da melhor forma possível. Quando eu estou nos meus piores momentos, eu penso em vocês e encontro a coragem para seguir em frente. Eu estive e ainda estou determinado a estar aqui para vocês, para ver vocês crescerem e se tornarem em jovens e belas mulheres.
Estou esperançoso de que vocês viverão em um mundo onde não haverá nenhum estigma para aqueles que são portadores de uma doença mental. Estou esperançoso que vocês nunca andarão por esta estrada escura de lutar consigo mesmo. No entanto, se vocês tiverem que enfrentar estas questões, podem ter certeza que não terão nenhum defensor maior do que eu. Estarei sempre aqui ao lado de vocês, não importa para quê. Vocês não têm que ter medo, pois jamais estarão sozinhas neste mundo.
Amor para sempre,
Seu pai



Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, ligue para o número do CVV: 141 e procure ajuda especializada.



Texto original: To My Daughters, One Day You’ll Understand Why Daddy Couldn’t Always Play By Sean Hagey
https://themighty.com/2016/11/a-letter-to-my-daughters-explaining-my-depression/


 Tradução livre e adaptada